Minha mãe teve o diagnóstico tardio de alergia alimentar, incluindo à proteína do leite, apesar de anos sofrendo com problemas digestivos. Meu enteado também tem alergia alimentar. Pelo que tenho visto e lido, os diagnósticos estão ficando mais acessíveis e precisos. Porém, ainda parece haver poucos médicos com olhar treinado e atento para as alergias alimentares. E pior, a tendência das pessoas em acharem que é “frescura” ou “modismo” ainda leva crianças aos hospitais e deixa muita gente sem diagnóstico.
Segundo a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI), estima-se que 6 a 8% das crianças menores de 3 anos sejam acometidas por reações alimentares de causas alérgicas verdadeiras e 2 a 3% dos adultos. Mas esse número pode ser ainda maior considerando-se a falta de diagnóstico.
Doença celíaca não é piada – mas pode ser vista de maneira divertida
As alergias são respostas exageradas do sistema imunológico. No caso da alergia ao glúten, essas reações imunológicas, ao longo do tempo, acabam por criar uma inflamação que danifica os tecidos do intestino delgado levando à complicações médicas, incluindo a má absorção de alguns nutrientes.
Eve Ferretti, talentosa ilustradora da qual sou fã há tempos, apesar de apresentar os sintomas clássicos da doença celíaca desde criança, só foi diagnosticada em 2012, já na sua vida adulta. Em 2015, passou por sérios problemas com o agravamento de sua saúde por não ter sido alertada e orientada quanto à contaminação cruzada – sim, você não pode, por exemplo, beijar na boca de alguém que tomou um gole de cerveja!
Percebendo que a maior parte das pessoas celíacas que conheceu também tinham sido diagnosticadas tardiamente e não recebiam o acompanhamento adequado e sendo, ela mesma, hipersensível ao glúten e alérgica à lactose, Eve desenvolveu seu alter-ego, a Célia Celíaca. Uma personagem com as mais divertidas, porém elucidativas, tirinhas e histórias baseadas nas suas próprias experiências.
Além das historinhas, Eve escreveu e ilustrou o livro infantil “O homem que soltava pum e outras histórias” que trata da doença celíaca, mas que é feito para portadores ou não da doença, adultos e crianças! Ilustrou outro livro infantil sobre glúten e disponibiliza em seu site o “Pequeno Manual de sobrevivência da Célia” para download gratuito para quem vai começar a jornada da vida sem glúten.
Alergia alimentar, bebês e amamentação
Enquanto a intolerância à lactose decorre da má absorção deste açúcar pela falta da enzima lactase, a alergia à proteína do leite é uma resposta do organismo mediada pelo seu sistema imunológico. E, apesar de ser causada pela proteína do alimento, nem sempre a reação alérgica é no sistema digestivo. As reações podem aparecer, também, nos sistemas respiratórios e nervoso ou na pele.
E mais, na alergia, a pessoa não pode ter nenhum tipo de contato com o alérgeno (causador da alergia) e seus derivados. Outra diferença significativa entre intolerância e alergia é que a intolerância não tem cura, mas existe no mercado a enzima lactase para ajudar na digestão da lactose. Já as alergias podem desaparecer com o tempo, por isso a prevalência em crianças.
No caso da jornalista Paula Andrade, o diagnóstico da Alergia à Proteína do Leite de Vaca (APLV como os alérgicos chamam) do filho, agora com 3 anos, veio quando ele tinha apenas 3 meses, ainda durante a amamentação.
Para manter a amamentação, Paula acabou se submetendo à uma dieta rigorosíssima. Apesar de muito confundida com a intolerância à lactose e de ambas as disfunções serem associadas ao leite, os problemas são diferentes e demandam tratamentos e cuidados bem diferentes.
É preciso excluir uma lista enorme de ingredientes, não só o leite, incluindo a própria carne de vaca. Para se ter uma ideia, tem famílias que têm que comprar panelas novas, talheres novos, usar esponja separada para os utensílios da criança e da mãe (se a criança ainda é amamentada).
É punk. É desesperador. É solitário também por que você tem que se isolar… Tem gente que dá a comida proibida para a criança, que depois vai parar no hospital. É um pavor. A gente fica ilhada em casa com medo de comer algo “contaminado” – Conta Paula
Passando por isso no seu dia a dia, a jornalista, que mal sabia cozinhar, decidiu transformar sua cozinha em laboratório já que ela era LOUCA por leite, mas decidiu que ia abrir mão do ingrediente para que pudesse continuar amamentando o filho. A ideia de Paula foi adaptar receitas de forma a continuar comendo coisas que gosta, como o pudim de leite bem caramelado. Foram dezenas de receitas entre doces, salgados e molhos que tiveram seus ingredientes substituídos para poderem continuar no cardápio da família.
Essa experiência se transformou num livro de receitas que passaram pelo crivo de chefes de cozinha além de médicos e nutricionistas especializados em alergias alimentares, como o Dr. Samuel Chencinski, Presidente do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade de Pediatria de São Paulo.
Paula me contou, também que seu maior orgulho foi ver um chef e professor de gastronomia comer sem parar o seu picadinho e que quase não sobrou para as fotos do livro!
Por aí já dá para saber que as receitas são boas mesmo e que dá para viver – e comer – bem mesmo longe da proteína do leite de vaca! Se quiser, você pode comprar o livro AQUI na editora SENAC.
A Alergia Alimentar como causa
Cecília Cury é advogada, pesquisadora, professora e mãe de 2. Em 2014 ela começou a campanha “Põe no rótulo” para que as embalagens fossem bem claras quanto à presença dos principais alérgenos na composição daquele alimento. Ela coordena o projeto que, em 2015, conseguiu que fosse aprovada a resolução da ANVISA que torna obrigatória a instrução “Alérgicos: Pode conter…”. Pela RDC 26/15, desde 3 de julho de 2016, rótulos das bebidas e alimentos embalados na ausência do consumidor devem destacar a presença dos principais alergênicos, além de indicar o risco de contaminação cruzada, quando não for possível evitá-lo com a adoção de boas práticas de fabricação.
Foi uma conquista histórica, em especial por mostrar a força da participação da sociedade ivil em processos regulatórios.
Agora inspire-se nessas mulheres inspiradas e inspiradoras e descubra como a vida ainda pode ser deliciosa apesar das alergias alimentares!
Por Cynthia Jacques | Diretora da KIDS in
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