Ser mãe hoje é diferente do ser mãe antigamente?
O nível de exigências que recaem sobre as “recéns-mães” estará mais acentuado? Será que “mãe” é mais um “produto” que a sociedade espera que “seja produzido” com altos níveis de perfeição em cuidados? Ou ainda resta vigente a confortável noção de “instinto materno”, inventada em tempos de guerra, no século XVII, para aumentar os índices de sobrevivência de recém-nascidos, que tudo parece explicar?
Hoje é sabido que não há sustentação científica para que instinto materno seja o que causa o estado de ser mãe humana. Instintos são pré-formatações neurofisiológicas que não se adequam à complexidade do que é HUMANO. E mãe-humana é parte de um processo extremamente dinâmico e complexo, além de ser absolutamente histórico e SINGULAR.
Tornar-se mãe é um longo e laborioso processo de construção, que atravessa gerações; é efeito de transmissões observáveis e, também, inconscientes, de figuras maternas, além de influências dos ideais socioculturais do entorno de cada mulher. Ou de forma bem simples: ser mãe é uma ocupação tão exigente, que beiraria o impossível! E não ocorre sem dores. Não é à toa o recorrente olhar melancolizado, em pinturas, através de todos os tempos, de Madonas com o Menino. Entremeando toda felicidade possível que possa advir do dar-se vida, existe um sofrimento, um peso do desconhecido, do risco que cerca o viver. Assim, se a mulher que se torna mãe não tiver uma estrutura interna firme, sustentada por um contorno acolhedor, poderá escorregar num estado depressivo. Deve-se ressaltar o papel do companheiro, neste processo: ele representa os braços firmes que sustentarão os braços da mãe com o bebê ao colo. Sabiamente, em certas tribos africanas, há um dito muito expressivo: “para cada nova vida humana é necessário o trabalho de toda uma tribo”.
Ora, na sociedade ocidental contemporânea houve uma mudança muito radical na estrutura da família, que encolheu seu núcleo a tal ponto, que já há um número significativo de famílias mono-parentais (geralmente, mãe e filhos). Acrescente-se a isto a mudança do lugar da mulher no mercado de trabalho, muitas vezes única fonte de renda da família. Que espaço interno tem a mulher hoje para abrir-se ao maravilhoso/assustador processo de tornar-se mãe, então? Será que entrar num cursinho para gestantes, uma escolinha de mães ou num blog de mães que os filhos não dormem, por exemplo, resolve? Ou contratar um “materno- personal” responde às angústias escondidas, por traz do: “Tudo bem.”, dito ao profissional médico que a acompanha, nas várias etapas do percurso? Mulheres precisam mentir, negando as ansiedades porque passam com seus filhos, mesmo quando tudo aparentemente ocorre bem? Existiria bebê perfeito, que nunca faria a mãe passar uma noite em claro? Existe relação mãe-filho sem angústias, conflitos e dificuldades?
Apesar desta relação tão delicada e carente de apoio trazer, necessariamente, um conjunto de dificuldades para todos os participantes (mãe, bebê, pai, irmãos, cuidadores), pesquisas recentes comprovam que mães têm resistência em deixar transparecer, tanto no âmbito familiar quanto no âmbito social, suas dúvidas reais e imaginárias e seus assustadores e ambivalentes sentimentos correspondentes. Embora uma parte dessa resistência seja consciente, as raízes desse mecanismo são inconscientes, isto é, a própria mulher desconhece muitos “tijolos” que estão fazendo parte da construção de sua maternidade. Esta resistência, muitas vezes, é fortificada pelo posicionamento de outros próximos (até de profissionais de saúde que acompanham mãe-bebê), que também resistem em abrir mão de seus ideais de “mãe perfeita”, preferindo não supor nenhum sofrimento possível, ali, eximindo-se de oferecerem-se como suplência de apoio, de “colo”, de escuta, de amparo, de solidariedade, de… suplências todas, na verdade, nunca suficientes para suprir o verdadeiro estado de desamparo, que ronda o tornar-se mãe e filho, desde sempre.
Sonia Motta – psicanalista
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